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quinta-feira, 9 de junho de 2011

Uma Conversa entre Freud e Foucault... por Ana Alice

Ao se tratar de sexualidade na contemporaneidade, nos deparamos com muitos tabus, a partir de suas determinações históricas, sócio-culturais, antropológicas e psicossociais. Tentei trazer a contribuição da psicanálise Freudiana e os estudos realizados por Michel Foucault sobre a história da sexualidade.

Uma vez que tratamos de abordagens diferentes, esse diálogo entre as duas teorias parece difícil, porém se faz necessário. Diferenciam-se desde o ponto de partida, onde na teoria de Freud é encontrada a hipótese repressiva, e em Foucault o foco é a analítica do poder.

Para entender melhor iremos retomar a concepção de história da sexualidade de Foucault, em seguida a perspectiva psicanalítica apresentada por Freud, e por fim a proposta de um diálogo entre as duas abordagens.

Começamos pela concepção de Nova História para Foucault, “Há anos os historiadores ficaram muito orgulhosos quando descobriram que podiam fazer não somente a história das batalhas, dos reis e das instituições, mas também a história da economia. Eilos todos estupefatos por terem os mais maliciosos dentes eles mostrado que também se podia fazer a história dos sentimentos, dos comportamentos, dos corpos.” (Foucault, 1984).

A partir desse novo olhar da história, começa a ser explicado o efeito produzido nos corpos, nos comportamentos e nas relações sociais por um dispositivo complexo: a sexualidade ganha espaço para ser discutida de maneira conceitual, “a sexualidade é o nome dado a um dispositivo histórico (...) à grande rede de superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles, das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas estratégias de saber e poder”. (Foucault, 1984).

A relação discernida por Foucault mostra que a repressão foi o modo de ligação entre Poder - Saber - Sexualidade, uma eclosão de verdade condicionada politicamente. Para ele, a questão principal não é saber o que dizer do sexo, mas a liberdade de afirmar sua importância ou negar seus efeitos, ou seja, colocá-lo em discurso, que se possa adquirir o direito de se falar em sexualidade.

Como historiador do presente, Foucault empreende sua genealogia, buscando as múltiplas causalidades imbricadas em diferentes temporalidades; percorre nos discursos, práticas, realidades e instituições como a sexualidade vai se constituindo e se disseminando na forma de um dispositivo no corpo social.

Percorrendo a “História da Sexualidade” vemos que o exercício do prazer encontra-se atrelado a uma reflexão ética cujo problema não é saber quais são os atos permitidos ou proibidos, mas com que força se é levado pelos prazeres e desejos. O uso dos é prazeres constituído em função de diferentes estratégias que permitam obter prazer como convém. A enkrateia ou “temperança” revela-se a como um trabalho sobre si mesmo para a obtenção da liberdade: “ser livre em relação aos prazeres é não estar a seu serviço, é não ser seu escravo”. (Foucault, 1984)

Em “a vontade de saber” Foucault (1976) passa a estudar a história da sexualidade em termos de jogos de poder e de verdade, trabalho no qual percebemos a instauração, a partir do séc.XIX, de uma “ciência confissão” com seus procedimentos para fazer falar o sexo em termos de uma codificação clínica que estabelece os parâmetros para o normal e o anormal no campo da sexualidade. Aparecem, então, personagens novos na família tradicional: “ a mulher nervosa”, a “esposa frígida”, a “moça histérica”, o “marido impotente”.

É neste espaço de manobras que veio instalar-se a Psicanálise, que vem desnudar a sexualidade até então encoberta pelo modelo neurológico. Para Foucault, a história do dispositivo de sexualidade, a partir da modernidade pode valer como arqueologia da Psicanálise. Esta “desempenha vários papéis simultâneos nesse dispositivo: é mecanismo de fixação da sexualidade sobre o sistema de aliança; (...) funciona como elemento diferenciador na tecnologia geral do sexo. Em torno dela, a grande exigência da confissão que se formara
há tanto tempo, assume um novo sentido, o de uma injunção para eliminar o recalque.” (Foucault, 2007, p.123)

A partir do séc. XVII, a sexualidade centrada na família é intensificada em duas direções: o eixo pais e filhos e o eixo marido-mulher. A predominância do assunto ainda pertencia à medicina, que emerge toda uma teorização fisiológica em torno do corpo feminino e da precocidade da sexualidade infantil.

No final do séc. XIX, a Psicanálise emerge como saber médico para tratar as chamadas “doenças nervosas”, constituindo-se como terapêuticas frente às demandas de ajuda da família burguesa que sofre os efeitos da intensificação da repressão, produzida pelo dispositivo de sexualidade.

Freud esteve à frente de seu tempo ao pensar em um funcionamento psíquico a nível inconsciente, trazendo a tona uma ideia de sexualidade infantil, sendo alvo de muitas críticas. Caracterizado por não limitar-se às atividades de prazer que dependem do aparelho genital, envolvendo toda uma série de excitações e atividades presentes desde a infância, Freud articula a sexualidade às necessidades básicas do Indivíduo.

Podemos falar de um corpo infantil que vai se erotizando pelo investimento de energia libidinal nas diferentes zonas erógenas: oral, anal, e genital. A Psicanálise nos fala, portanto, não de uma sexualidade limitada ao corpo biológico, mas produzida pelas experiências psíquicas inconscientes.

Freud, ao estudar os fenômenos psíquicos do indivíduo, relaciona a sexualidade na construção de sua cultura, além de seu próprio “Eu”: “Os historiadores da cultura parecem unânimes em supor que, mediante esse desvio das forças pulsionais sexuais das metas sexuais e por sua orientação para novas metas, num processo que merece o nome de sublimação, adquirem-se poderosos componentes para todas as realizações culturais.” (Freud, 1905).

De acordo com Freud (1905) a civilização ergueu-se com base na repressão da sexualidade e na canalização da energia libidinal para outras atividades artísticas e culturais, via processo sublimatório: “a sublimação do instinto constitui um aspecto particularmente evidente do desenvolvimento cultural; e é ela que torna possível as atividades psíquicas superiores, científicas, artísticas e ideológicas, o desempenho de um papel tão importante na vida civilizada”. (Freud,1986, p. 118)

A ideia preconizada por Freud de que não é a razão e a consciência que determinam nossas ações, mas sim o inconsciente, nos leva a uma interlocução de caráter mais crítico de Foucault em relação à Psicanálise.

Para Foucault (1984), a Psicanálise ocupou uma posição singular no final do séc. XIX, pois representou a ruptura da tecnologia médica do instinto de suas correlações com a hereditariedade e com todos os racismos e eugenismos. Freud utiliza-se das “mesmas vias pelas quais as perturbações sexuais se propagam para as outras funções do corpo devem também prestar, na saúde, um outro importante serviço. Por elas se daria a atração das forças pulsionais da sexualidade para outros alvos não-sexuais, ou seja, a sublimação da sexualidade” (Freud, 1905).

A Psicanálise levanta a importância da sexualidade como veículo de expressão de nossos desejos, pois marcam nossa singularidade e diferença dos indivíduos, com isso Foucault faz a relação ao comprometimento dos saberes científicos com os investimentos de poder. Tanto a contribuição de Foucault, quanto de Freud nos permitem em meio às injunções do bio-poder, que culmina em direções problemáticas, analisar uma sociedade contemporânea em sua essência histórica .

Fonte:
FOUCAULT, Michel. A História da Sexualidade –I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 2007; A História da Sexualidade –II: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 2007; A História da Sexualidade –III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal, 9ª edição 2007.
FREUD, Sigmund. Três Ensaios para uma Teoria Sexual. In: Sigmund Freud – Obras Completas. v. 7, 2. Rio de Janeiro: Imago, 1987.
ASSIS, Maria F. P. Por Uma História da Sexualidade entre Freud e Foucault: Costuras e Alinhavos, Campus Jataí/UFG

Dica de leitura: FOUCAULT, Michel. Um diálogo sobre os prazeres do sexo: Nietzsche, Freud e Marx. 2ª Edição – São Paulo: Landy, 2005.

Autor: Ana Alice Brites de Barros 

domingo, 22 de maio de 2011

Condensação e Deslocamento: uma reflexão sobre os mecanismos da emergência do desejo. - João Rego1


Texto apresentado na 1a. Jornada do Traço Freudiano,
Recife 12 de abril de 1997

1João Rego é psicanalista, mestre em ciência política, membro do Traço Freudiano Veredas Lacanianas Escola de Psicanálise.


Permitam-nos agora, num vôo da imaginação, supor que Roma não é uma habitação, mas uma entidade psíquica, com um passado semelhantemente longo e abundante − isto é, uma entidade onde nada do que outrora surgiu desapareceu e onde todas as fases anteriores de desenvolvimento continuam a existir, paralelamente à última. Isso significaria que em Roma, os palácios dos césares e as Septizonium de Sétimo Severo ainda se estariam erguendo em sua antiga altura sobre o Palatino e que o castelo de Santo Ângelo ainda apresentaria em suas ameias as belas estátuas que o adornavam até a época do cerco pelos godos, e assim por diante. Mais do que isso: no local ocupado pelo Palazzo Caffarelli, mais uma vez se ergueria − sem que o Palazzo tivesse de ser removido −, o Templo de Júpiter Capitolino, não apenas em sua última forma, como os romanos do império o viam, mas também na primitiva, quando apresentava formas etruscas e era ornamentado por antefixas de terracota. Ao mesmo tempo, onde hoje se ergue o Coliseu, poderíamos admirar a desaparecida Casa Dourada, de Nero. Na Praça do panteão encontraríamos não apenas o atual, tal como legado por Adriano, mas, aí mesmo, o edifício original levantado por Agripa; na verdade, o mesmo trecho de terreno estaria sustentando a Igreja de Santa Maria sobre Minerva e o antigo templo sobre o qual ela foi construída. E talvez o observador tivesse apenas de mudar a direção do olhar ou a sua posição para invocar uma visão da outra.
(FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização) (FREUD, S. 1930[1929])

Com seu brilhante estilo literário Freud apresenta nesse texto, como o inconsciente se constitui e opera em suas condensações, deslocamentos e na menos famosa - mais nem por isso desprezível -, figurabilidade. Distingue as formas operativas do aparelho psíquico das existentes no mundo fenomenológico, aquele que estamos acostumados a sentir. No exemplo acima, ele tenta com muita objetividade, apresentar as formas de organização do aparelho psíquico descrevendo a simultaneidade como o ambiente onde as representações psíquicas trafegam com desenvoltura. Diante dos elementos que compõem a estrutura psíquica do sujeito, o tempo é absolutamente dissolvido em sua ação transformadora.
Este sentido da simultaneidade no inconsciente, é para nós, fundamental para compreendermos outros mecanismos tais como a condensação e o deslocamento. E é simultâneo porque o inconsciente se funda na instância de um desejo indestrutível e estruturante do sujeito que opera em uma dimensão que transcende o tempo. O que está por trás das representações psíquicas, senão desejos? Desejos inconscientes, moldados pela singularidade do sujeito, constitutivos e aprisionados. Desejos que "lutam por terem expressão" à consciência. Sempre, permanentemente! Desejos que nos interrogam, de forma muitas vezes dramática, através do sintoma.sintoma.

Condensação:

Um dos modos essenciais do funcionamento dos processos inconscientes. Uma representação única representa por si só várias cadeias associativas (de pensamentos - desejos ) , em cuja interseção ela se encontra. Do ponto de vista econômico, é então investida das energias que, ligadas a estas diferentes cadeias, se adicionam nela (Verbete Condensação. in Vocabulário de Psicanálise. Laplanche & Pontalis. p87) (LAPLANCHE & PONTALIS. 1987))

São várias cadeias associativas que se encontram em uma única representação psíquica. Estas cadeias associativas são de pensamentos que insistem em tomar forma através de representações psíquicas. Onde estão as origens destes pensamentos? O que os movem para este sentido do inconsciente ao consciente? Apesar de ser uma pergunta bastante ambiciosa, e talvez de difícil conclusão podemos compreender como estes se expressam. Freud concebe que - e é importante compreender que tudo que ele constrói na teoria psicanalítica não é mais do que um saber que tenta, e de uma forma não totalmente suficiente, desvendar a realidade do inconsciente -, tais mecanismos, condensação e deslocamento, são mecanismos fundamentais existentes nas Formações do Inconsciente.
Pode-se inferir que se estes provêem do inconsciente é porque são representações que estão recalcadas. São na verdade, desejos recalcados que lutam por se expressarem, encontrando nos mecanismos da condensação e do deslocamento, formas de tentar driblar a censura à resistência, ou um certo controle que se estabelece impedindo o acesso destes à consciência. O sintoma, o sonho, o lapso, são todos formações do inconsciente constituídos por estas propriedades, que moldam e definem a forma de se expressarem à consciência.
Encontramos em Pontalis, ainda sobre condensação:

"Traduz-se no sonho pelo fato de o relato manifesto, comparado com o conteúdo latente, ser lacônico: constitui uma tradução resumida. A condensação nem por isso deve ser assimilada a um resumo: se cada elemento manifesto é determinando por várias significações latentes, inversamente, cada uma destas pode encontrar-se em vários elementos; por outro lado, o elemento manifesto não representa num mesmo relato cada uma das significações de que deriva, de modo que não as subsume como faria o conceito. (LAPLANCHE & PONTALIS. 1987, pp 89)

Neste texto um pouco enviesado, até porque o que tenta explicar foge, como tudo que é da ordem do inconsciente da abrangência integral da palavra, percebe-se o estranho jogo da realidade do inconsciente, além de uma coisa (um elemento do relato manifesto), representar várias outras coisas (significações do conteúdo latente), isto não garante que naquele mesmo sonho, (que é o caso da formação do inconsciente que o texto se refere) esta condensação dê a garantia de que aquele elemento manifesto seja o único e exclusivo "procurador junto à consciência" para dar expressão a estas significações latentes. Ele pode, de um forma dinâmica, alterar suas funções de condensação com estas significações latentes. Ainda mais, uma significação latente pode encontrar expressão em mais de um elemento do relato manifesto.
A condensação pode facilmente ser identificada no trabalho do sonho, quando elementos aparentemente irrelevantes desse sonho, são carregados de afeto. Isto torna-se mais evidente nos sonho de angústia, onde cenas ou elementos irrelevantes do sonho assumem de forma absolutamente desproporcional a capacidade de causar angústia.
Freud identifica no processo de elaboração do sonho o mecanismo de que sempre cenas da infância são apropriadas, tomadas por empréstimo, pelo trabalho do sonho, para juntamente com cenas e afetos do dia anterior (ou do dia do sonho) produzirem o sonho. Pode-se afirmar que são representações do passado, uma vez que estas cenas provêem da infância? Parece-nos que não, já que o inconsciente não se submete aos efeitos do tempo. Trata-se na verdade de representações que expressam o desejo, melhor dizendo, expressam uma tentativa de realizar o desejo do sujeito ao inconsciente.
Na realidade, estes desejos inconscientes, constitutivos ao longo da história do sujeito, é uma instância imanente, operativa, marcada pela falta fundante do ser desejante. Sua lógica é pulsional, sua relação é com o objeto perdido e nós somos alheios a esta vontade. Tal qual Édipo, onde sua maior tragédia foi o seu alheamento àquele que havia assassinado Laio, e como rei insistia com uma alienada obstinação em encontrar o assassino, somos manipulados em nossas atitudes e vontades "conscientes" por esta lógica do desejo inconsciente. A condensação assim como o exemplo da Roma de Freud garante, pelas suas formas operativas a possibilidade de infinitas e singulares combinações dessa trama dos desejos.

Deslocamento:

Fato de a importância, o interesse, a intensidade de uma representação ser suscetível de se destacar dela para passar a outras representações originariamente pouco intensas, ligadas à primeira por uma cadeia associativa. (....) A teoria psicanalítica do deslocamento apela para a hipótese econômica de uma energia de investimento suscetível de se desligar das representações e de deslizar por caminhos associativos. (LAPLANCHE & PONTALIS. 1987, pp 116)

Grifamos o termo uma representação no texto acima e tentamos contrapô-lo ao termo várias cadeias associativas, encontradas no verbete sobre Condensação. Pode se inferir que deslocamento deve ser entendido, em última análise, como uma Condensação unitária, a transferência de uma única cadeia associativa para uma única representação, esta última também irrelevante se comparada com intensidade da carga de afeto que essa cadeia associativa conduz. A fobia pode ser um bom exemplo desse processo. Por essa inferência, podemos dizer de modo inverso, que a Condensação não é nada mais do que vários deslocamentos convergindo para uma única representação. E é em Pontalis & Laplanche onde encontramos texto que associa o deslocamento a condensação.

"Na análise do sonho, o deslocamento está estreitamente ligado aos outros mecanismos de trabalho do sonho: efetivamente, favorece a condensação na medida em que o deslocamento ao longo de duas cadeias associativas conduz a representações ou a expressões verbais que constituem encruzilhadas. . (LAPLANCHE & PONTALIS. 1987, pp 116)

Esta associação entre deslocamento e condensação, entretanto, assume formas mais complexas e sutis a partir do lingüista Roman Jakobson (JAKOBSON, R , 1963) com a proposição de que há uma relação desses mecanismos aos processos retóricos da metáfora e da metonímia na linguagem, mas tarde transformadas, essas figuras, em um dos momentos celulares da teoria psicanalítica lacaniana.
Em Psicopatologia da Vida Cotidiana, (FREUD, S. 1901) no Capítulo IV - Lembranças da Infância e Lembranças Encobridoras, no qual Freud inicia levantando a hipótese de que "nas lembranças da primeira infância são preservados tudo aquilo que é indiferente e sem importância ao passo que (amiúde, contudo nem sempre) na memória dos adultos não há vestígios de impressões daquela época, que sejam importantes, muito impressionantes e plenas de afeto"
Nessa constatação ele vê o mecanismo de deslocamento atuando como principal operador dessas transformações mnêmicas. Mais adiante, ele descreve como funciona a "multiplicidade das relações e dos significados das lembranças encobridoras". Define em três exemplos como se dá esta relação do inconsciente com o tempo, demonstrando que ele é absolutamente livre das amarras causais que o este nos impõe.

"Naquele exemplo, o conteúdo da lembrança encobridora pertencia a um dos primeiros anos da infância, ao passo que as vivências mentais por ela substituídas na memória que haviam permanecido quase inconscientes, ocorreram na vida posterior do sujeito. Designei essa espécie de deslocamento de retroativo ou retrocessivo" (FREUD, S. 1901 p.68)

Aqui o passado, - se bem que não tem muito sentido falar em passado num ambiente onde o tempo não atua com a mesma desenvoltura que no mundo fenomenológico, - se desloca e possibilita a censura de um afeto vivido na vida adulta. Assim como se a causa viesse após o efeito e fosse por ele modificado.

Conclusão:
O que tentamos aqui, além de compreender e refletir sobre os mecanismos da condensação e do deslocamento, como formas operativas do inconsciente no sentido de tentar enganar a censura para dar expressão do recalcado à consciência, foi dar ênfase à lógica do desejo inconsciente como aquilo que rege toda esta delicada e complexa operação do aparelho psíquico.
A lógica do desejo é uma lógica pulsional. Eros e Thanatos, as pulsões básicas do sujeito que o constitui em sua essência mais arcaica, atravessando-o e transbordando para o social numa luta cruenta e incansável, resultando na civilização.
A matriz que dá o molde do sujeito desejante é a estrutura edípica, momento mítico fundante do sujeito e da ultrapassagem da barbárie à civilização, viabilizando o acesso à lei, ao simbólico e nos aprisionando em um dilema insolúvel: o de existirmos em nossa dimensão de sujeito a custa da repressão das poderosas forças pulsionais que nos fazem caminhar com a vida e com a morte.
Assim talvez, mais importante do que compreender os mecanismos intrínsecos da condensação e do deslocamento, seja situá-los como expressões extremamente complexas da representação do desejo humano, através das diversas formações do inconsciente. E aí vem de imediato a seguinte questão: porque estes desejos inconscientes têm de vir à consciência de forma tão disfarçada? Porque tantas e tão complexas formas de se apresentarem em sua existência indestrutível?
No sentido de responder parte dessas questões, Freud apresentou algumas pistas no Mal Estar da Civilização. Estaria na forma como se constitui o processo civilizatório, forjando-se este, como cultura na medida em que o mesmo tem a capacidade de tentar reprimir as pulsões. Está aí uma das hipóteses centrais daquela obra, com um forte viés do pensamento hobbesiano (HOBBES, T. 1979) O sujeito acede à cultura numa relação constitutiva do seu ser marcada sob a forma de uma compulsória e permanente hostilidade a ela.
Essa hostilidade é o contraponto das repressões das pulsões. Talvez aí esteja à razão dos disfarces, o recalcado é Isso que nos é vedado aceder por razões estruturantes que têm suas origens nesse conflito entre Eros e Thanatos e na sua relação dialética com a civilização.
Gostaríamos, de finalizar nossa apresentação com este vibrante texto de Freud que define este conflito:

Essa pulsão agressiva é o derivado e o principal representante do instinto de morte, que descobrimos lado a lado de Eros e que com este divide o domínio do mundo. Agora, penso eu, o significado da evolução da civilização não mais nos é obscuro. Ele deve representar a luta entre Eros e a Morte, entre a pulsão de vida e a pulsão de destruição, tal como ela se elabora na espécie humana. Nessa luta consiste essencialmente toda a vida, e, portanto, a evolução da civilização pode ser simplesmente descrita como a luta da espécie humana pela vida. E é essa batalha de gigantes que nossas babás tentam apaziguar com sua cantiga de ninar sobre o Céu.
(FREUD, S. 1930[1929]p.145)

Bibliografia
FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização(1930[1929]) [ Das Unbehagen in der Kultur (Viena, G.S., 12, 29; G.W., 14,421)Trad. Inglês: ‘Civilization and its Discontents’ (Londres, 1930; Nova Iorque, 1961; Standard Ed., 21, 59)] Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud Vol.XXI. Rio de Janeiro. IMAGO 1974
FREUD, Sigmund. A Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901). [ Zur Psychopathologie des Alltagsleben] (Berlim, Karger 1904). Trad. Inglês: Psychopathology of Everyday Life (Londres, Fisher Unwin e Nova Iorque, Macmillan 1914; ) Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud Vol.VI . Rio de Janeiro. IMAGO 1987
HOBBES, Thomas. Leviatã, ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Col. Os Pensadores. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1979.
HOBBES, Thomas. Leviathan, with selected variants from the Latin edition of 1668. USA: Hackett Publishing Company, Inc, 1994
JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação (Deux aspects du langage et deux types d'aphasie in Essais de linguistique générale. Éd. Minuit, Paris, 1963.) Ed. Cultrix. São Paulo, 19__
LAPLANCHE & PONTALIS, Vocabulário de Psicanálise (Vocabulaire de la Psychanalyse, Presses Universitaires de France, Paris, 1987) Livraria Martins Fontes Editora Ltda, São Paulo, 1982.
REGO, João. Poder, Estado e Sociedade em Hobbes e Freud - reflexões sobre Leviatã e e O Mal-Estar na Civilização. Cadernos do Traço Freudiano no 9, Recife, Abril de 1997
VALENTINE, Jeremy. Leviathan and the Formation of Political Modernity. Graduate Colloquium in Departament of Government, University of Essex, Maio de 1993 (mimeo)



                                                                                    Indicado por Silviane "Krosfox" Krokosz

sexta-feira, 13 de maio de 2011

VAMOS FALAR DE SEXO. A homossexualidade é doença?

Uma das perguntas com que o psicólogo e o estudante de psicologia se deparam com maior freqüência é a questão de se a homossexualidade é uma doença. Alguns psicólogos ainda ficam perplexos perante tal pergunta, ficam sem jeito e não sabem dar uma resposta clara, especialmente quando seus interlocutores são pessoas com convicções religiosas marcadamente tradicionais. Estes costumam falar que a retirada da homossexualidade do DSM III (Manual de Diagnóstico e Estatística de Perturbações Mentais) em 1974, por parte da Associação Americana de Psiquiatria, obedeceu a pressões políticas. Então, o fato de que hoje em dia seja proibido tratar a homossexualidade como uma doença se deve a razões científicas ou políticas? Será que os psicólogos falam que não é doença para serem politicamente corretos, mas acreditam secretamente que sim é? Será que a homossexualidade nunca deveu ser tirada do DSM ou que nunca deveu ser incluída? Será que os cientistas tem mudado sua posição, suas convicções a esse respeito?
 A psicanálise oferece uma solução a esses dilemas. Na gênese das doenças mentais participam uma pluralidade de causas, entre elas a repressão de pulsões inconscientes. No entanto, quem tem um comportamento homossexual ou se considera homossexual claramente não reprime esse tipo de pulsões. Da perspectiva freudiana, fica muito claro que a homossexualidade não pode ser considerada uma doença, pois lhe faltaria um elemento causativo essencial: a repressão.  Freud classifica em 1905 a homossexualidade entre as perversões, como o fetichismo, mas essa seria uma consideração social, mais que científica. De fato o próprio Freud em 1935 afirmava que a homossexualidade era uma simples variação da função sexual, enfatizando que não se trata de uma doença e declarando ainda que é uma injustiça e uma crueldade perseguir a homossexualidade como se fosse um crime. Neste sentido é esclarecedor o seguinte texto de Magali Milene Silva:
                A psicanálise não postula normas para a sexualidade, mas isso não quer dizer que a sexualidade não se constitua através de princípios normativos; não elege entre as formas possíveis de expressão da sexualidade a melhor ou mais adequada, mas, por outro lado, considera a sexualidade humana marcada pela pulsão. Com a construção teórica das fases do desenvolvimento psicossexual infantil, Freud se refere à tentativa de organização das pulsões parciais. Ele não postula uma organização preferencial, embora reconheça que algumas formas de organização sejam mais adequadas à cultura. Por outro lado, ele afirma que a organização pulsional, mesmo que nunca completa, é marca da sexualidade humana. Ou seja, embora não defenda uma norma específica, requer que o sujeito não desista de sua função normativa (de construção de formas que o orientem na relação com os objetos), mesmo sendo essas sempre incompletas.” (Silva, M. M. Para além da saúde e da doença: o caminho de Freud. Ágora: Estudos em Teoría psicanalítica. Rio de Janeiro. 2009)

Jaume Aran

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Breve análise da enquete sobre se o nosso curso está privilegiando ou não apenas uma perspectiva teórica.

A enquete, que pôde ser respondida durante uma semana, foi respondida apenas por 12 pessoas, o que constitui uma baixa participação, levando em consideração que o blog recebeu nesse período umas 500 visitas. Porém, deve ser ponderado também que “Atos Falhos- UFGD” recebe bastantes visitantes que não são estudantes ou professores do nosso curso. Nossas estatísticas confirmam um número significativo de visitantes dos EUA e vários países da América Latina. No entanto, quase a totalidade dos visitantes que se sentiram movidos a participar votou pela opção “Não, acho que o nosso curso esta focando apenas uma abordagem” e só um deles votou “Mais ou menos, penso que ainda falta incentivo e aprofundamento em algumas, mas o povo se esforça”. Ninguém optou pela opção “Sim, estou contente com o conhecimento que adquirí na faculdade, e a mesma está dando conta de ensinar o básico de varias linhas teóricas”. Penso que podemos aventurar a hipótese de que esta preocupação não está presente na maioria de membros da nossa comunidade; mas aqueles que tem refletido sobre o assunto mostram certo grau de insatisfação, neste aspecto pontual.
Jaume Aran

sexta-feira, 6 de maio de 2011

As vezes, se chega ao mesmo lugar por caminhos diferentes


“The fact that punishment does not permanently reduce a tendency to respond is in agreement with Freud's discovery of the surviving activity of what he called repressed wishes. As we shall see later, Freud's observations can be brought into line with the present analysis.”[i]
(O fato de que a punição não reduz permanentemente a tendência a responder está de acordo com a descoberta Freudiana da atividade remanescente do que ele chamou desejos reprimidos. Como veremos depois, as observações de Freud podem se adequar com a presente análise)


[i] Skinner, B.F. Science and Human Behavior. 1953